A transparência é um dos principais desafios das gestões públicas para combater a corrupção. É o que avaliam especialistas ouvidos pelo POPULAR dentro da série de reportagens que apontam estratégias ao próximo governo estadual em áreas fundamentais para o desenvolvimento do estado.
Em ranking divulgado em julho, Goiás ocupa a quinta colocação no Índice de Transparência e Governança Pública de 2022, que avaliou os 26 entes e o Distrito Federal, de acordo com indicadores que vão desde a participação da população em decisões à transparência financeira e orçamentária.
Goiás alcançou 83 pontos. A nota é considerada ótima pelo ranking, por estar entre 80 e 100. Em texto publicado na avaliação de Goiás, consta que o estado cumpriu a maioria dos requisitos exigidos, “apresentando boa parte dos dados, informações e legislações essenciais para a promoção da integridade e transparência”.
O Índice de Transparência e Governança Pública de 2022 foi elaborado pela Transparência Internacional – Brasil, com a avaliação dos entes públicos brasileiros a partir de critérios essenciais “para sua integridade”. O projeto conta com o apoio do Instituto Clima e Sociedade, da Fundação Konrad Adenauer Brasil e de recursos da União Europeia.
A pontuação positiva no ranking indica rumo certo, atesta o dono da empresa NúcleoGov, que presta assessoria a órgãos públicos para que se alinhem às leis de transparência, Barnabé Neto. Segundo ele, para lidar com o problema da corrupção, o primeiro passo que uma gestão pública deve dar é o de aprimorar suas ferramentas de transparência.
Mas é preciso avançar mais, como recomendado pelo próprio índice de avaliação de transparência: “Goiás ainda pode aprimorar o seu resultado ao publicar dados detalhados sobre emendas parlamentares estaduais, obras públicas, e concessões de crédito e financiamentos.”
Nesse sentido, Barnabé cita como medida importante a ser tomada por Goiás a criação de uma Secretaria Executiva de Transparência que seja desvinculada da Controladoria-Geral do Estado (CGE). “Isso traz mais economia, eficiência, além de inovar. Nenhum estado ainda criou uma secretaria de transparência pública”, diz.
Ele cita como exemplos os municípios goianos de Formosa, que criou a Secretaria de Transparência, Fiscalização e Controle, e Cidade Ocidental, que tem a Secretaria Municipal de Comunicação e Transparência.
Barnabé também menciona como positivo o fato de que o governo criou o Prêmio Goiás Mais Transparente, que avalia os órgãos estaduais pelo “atendimento às metodologias que estabelecem normas e padrões de transparência das páginas de acesso à informação e pelas iniciativas de inovação em transparência.”
Todavia, ele sugere que, em uma próxima gestão, o estado traga representantes da sociedade para a avaliação. “Hoje, essa autoavaliação é feita por servidores, que são pessoas mais técnicas. A melhor forma de fazer essa avaliação é simulando a experiência do cidadão ao acessar o portal”, afirma.
O especialista ressalta a importância de trazer informações acessíveis no portal da transparência, de forma que o cidadão tenha facilidade de navegar. “A maioria da população não entende nada de transparência.”
Onde avançar
Os indicadores do Índice de Transparência e Governança Pública de 2022 funcionam como diagnóstico sobre como aprimorar a transparência para maior controle da gestão e combate à corrupção.
Um deles questiona se o Estado de Goiás possui plataforma para “acompanhamento de obras públicas com informações financeiras e orçamentárias, com periodicidade de atualização mensal, que inclui: (i) execução orçamentária (valores empenhados, pagos e liquidados), (ii) valores pagos em cada”. Goiás tirou 0,5, do total da pontuação, que era 1.
Em relação às emendas, o estado ficou com 0,75 no indicador que questiona se são divulgadas informações como valor, nome do parlamentar e partido, órgão de destino, objeto, beneficiário, estágio do processo e número do processo.
Goiás não pontuou no indicador que questiona se, antes da concessão de crédito ou financiamento, o estado divulga se foi elaborada uma avaliação de risco socioambiental e/ou considerados critérios e métricas ambientais do projeto financiado. O estado não divulga dados sobre impacto ambiental, constata o Índice de Transparência.
Promotora sugere educação para exercício da cidadania
Para a promotora Fabiana Zamalloa, que coordena o Centro de Apoio Operacional (CAO) do Patrimônio Público no Ministério Público de Goiás (MP-GO), o principal fator para combater a corrupção é garantir uma transparência plena.
“No âmbito público, o que eu vejo como indispensável no enfrentamento da corrupção: uma transparência plena, o mais ampla possível”, diz. Para a promotora, não basta apenas cumprir os requisitos mínimos da Lei de Acesso à Informação (LAI) ou da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). “Uma transparência que realmente permita ao cidadão conhecer a realidade da gestão pública, participar em tempo real, de forma fácil e acessível”, explica Zamalloa. Além disso, a promotora alerta para a necessidade de investimento em uma “educação pública voltada à cidadania”.
“Não adianta disponibilizar informações, se o destinatário não consegue compreendê-las, porque não tem educação voltada para isso”, diz.
Zamalloa cita que um dos obstáculos à transparência plena observados em gestões públicas é a utilização excessiva de classificação de documentos sigilosos. Ela lembra que a lei permite para casos excepcionais, em que precisa ser garantida a segurança do estado. No entanto, o que ocorre hoje é o uso da classificação, por gestores, como uma forma de resistir à disponibilização de informações que deveriam ser acessíveis, explica. Ela cita como exemplo o fato de que muitas vezes as informações sobre renúncias fiscais são classificadas como sigilosas. A promotora lembra que o terceiro setor, quando em parceria com o setor público, também precisa zelar pela transparência.
Zamalloa também comentou o fato de que gestores públicos costumam desviar o sentido de algumas leis para justificar a omissão de informações. A Transparência Brasil mostrou, nesta semana, que alguns estados utilizam a Lei Eleitoral como justificativa para ocultar informações públicas. “Dá-se uma interpretação ampla para aquela letra legislativa para aplicar em situações que, em regra, não deveriam ser aplicadas”, diz.
A promotora também afirma que a fiscalização é importante, mas é algo que vai sanar o que já aconteceu. “Depois que as coisas acontecem, é muito difícil voltar ao estado com a agilidade necessária. É indispensável que se evite isso.” Para ela, a melhor ferramenta é a prevenção por meio da transparência ampla, do controle interno e externo e da adoção de uma política de integridade.
Deccor indiciou 462 pessoas desde sua criação em 2019
De acordo com dados enviados pela Polícia Civil do Estado de Goiás ao POPULAR, a Delegacia Estadual de Combate à Corrupção (Deccor) indiciou 462 pessoas desde a sua criação, em 2019, até setembro deste ano. Especialista alerta para a insuficiência da criação da delegacia e os riscos de servir apenas para interesses políticos.
Além dos indiciamentos, a Deccor realizou 26 operações, 17 prisões, 306 mandados de busca e apreensão e 21 afastamentos de investigados de seus cargos. No total, a Polícia Civil afirma que a delegacia apreendeu R$ 359.084.049,71.
A Deccor foi criada em 2019, pelo governador Ronaldo Caiado (UB), como uma medida de combate à corrupção, que foi um dos motes da sua campanha de 2018.
Dono da empresa NúcleoGov, que presta assessoria a órgãos públicos para que se alinhem às leis de transparência, Barnabé Neto avalia que a criação da delegacia foi importante, mas alerta que sozinha, ela não é eficiente. Ele destaca que a função da Deccor acaba se restringindo à finalização do processo de combate à corrupção.
Barnabé afirma que o fundamental é ampliar a autonomia dessa delegacia. Desde que ela foi criada, por exemplo, o estado já trocou de titular duas vezes, com um total de três delegados em três anos. Em ambas as mudanças houve especulações de ingerência. “Os benefícios desse ganho de autonomia são a prevenção de possíveis ingerências ou parcialidades de origem e caráter político”, diz o especialista.
Goiás cai na Escala Brasil Transparente da CGU
Na última edição da Escala Brasil Transparente (EBT), de 2020, elaborada pela Controladoria-Geral da União (CGU), Goiás caiu dez posições em relação ao levantamento anterior, de 2018. O estado ficou com 8,85 pontos e foi da 8ª posição para a 18ª.
Apesar de ser um levantamento feito dois anos antes que o Índice de Transparência e Governança Pública de 2022, em que Goiás teve bom desempenho, a EBT tem uma metodologia diferente.
A EBT mede a transparência passiva, que inclui avaliações do canal de atendimento ao cidadão, por onde são pedidas as informações via Lei de Acesso à Informação (LAI), por exemplo, mas também a transparência ativa, que avalia aspectos como a verificação da publicação de informações sobre receitas e despesas, licitações e contratos, estrutura administrativa, servidores públicos, acompanhamento de obras públicas e outras.
Ao avaliar os pedidos de informação de forma eletrônica, por exemplo, a EBT identificou que são feitas exigências que dificultam ou impossibilitam o acesso à informação.
A Controladoria-Geral do Estado (CGE) afirma que tem tomado medidas de combate à corrupção que começam com um programa de compliance público. Segundo o órgão, as ações resultaram em economia de R$ 1,6 bilhão em três anos e meio.
O governo afirma que realizou capacitações de servidores e auditorias e inspeção de licitações e contratos. Além disso, cita o decreto estadual que cria a Lei Anticorrupção. “Empresas foram punidas e tiveram que ressarcir o estado em R$ 57 milhões.”
O órgão ainda menciona o sistema de ouvidorias que passou por remodelagem e estruturação, e a gestão de riscos nos órgãos estaduais.
Por fim, a CGE destaca a criação do Prêmio Goiás Mais Transparente. Segundo o órgão, para a avaliação, é utilizado o método da Associação Brasileiras dos Membros dos Tribunais de Contas.
Entrevista na Rádio CBN
Ouça o áudio na integra da nossa entrevista para a Rádio CBN:
Fontes: Jornal O Popular e Rádio CBN Goiânia